O
conflito aparente de normas é assim nomeado pelo fato de que há a possibilidade
de existir duas ou mais normas expostas que poderão incidir sobre determinado
fato, e, aparentemente, haverá um conflito entre elas. Entretanto apenas uma
delas poderá ser aplicada a hipótese, uma vez que quando um caso apresenta tal
característica num primeiro momento, após atentar-se a 4 princípios que são
fundamentais para se discernir qual a norma deve ser, de fato, utilizada,
observa-se que o conflito na verdade nunca existiu. Esses são os princípios que
regem o conflito aparente de normas:
I. Princípio
da Especialidade
Esse
princípio predispõe o seguinte fato: A Lei Especial sobrepõe a Lei Geral. Isso
significa que a aplicação da norma especial faz com que a aplicação da norma
geral seja descartada, tendo em vista que há, em determinados tipos penais
incriminadores, elementos que os tornam mais específicos se comparados a
outros, dessa forma a lei especial se amoldará de uma forma mais adequada ao
fato. Por exemplo: Homicídio (CP, 121) e Infanticídio (CP, 123).
O
homicídio tem o seu preceito primário expresso da seguinte forma: Matar alguém;
enquanto, por sua vez, o infanticídio no seu preceito primário explana: Matar,
sob influência de estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo
após. Entende-se que o infanticídio tem todas as características de um
homicídio, afinal de contas matou-se alguém. Contudo, o infanticídio tem
peculiaridades características: para que seja considerado infanticídio a mãe
deve estar sob estado puerperal, matar o próprio filho e o tempo do crime deve
ser durante o parto ou logo após, esclarecendo assim que se, por exemplo, uma
mãe matar seu filho sem que esteja com um transtorno psíquico que seja
originário da sua condição de puérpera responderá por homicídio, tal qual se
matar o seu filho depois de alguns meses da ocorrência do parto. Logo, se
percebe que os elementos contidos na figura delitiva infanticídio tornam esse
crime especial quando comparado ao homicídio.
II. Princípio
da Subsidiariedade
O
princípio da subsidiariedade tem a alcunha de “soldado reserva”, dada por
Nelson Hungria, isso pelo fato de que esse princípio dita que na ausência ou na
impossibilidade da aplicação de norma mais grave, aplica-se a norma
subsidiária. Em outras palavras, quando não existir uma norma ou quando existir
e não puder ser aplicada por dado motivo, aplica-se uma norma secundária ao
agente do tipo penal – como se em uma guerra um soldado fosse atingido por um
tiro e ficasse ferido ou morresse, logo existiria a necessidade de trazer outro
soldado para suprir o lugar daquele que já não serve para batalha.
Existem
dois tipos de subsidiariedade: a expressa e a tácita.
A
subsidiariedade expressa é aquela que já vem exposta na própria lei, deixando
assim evidente o seu caráter subsidiário, como, por exemplo, no artigo 132 do
Código Penal:
Perigo
para a vida ou saúde de outrem
Art.
132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e
iminente:
Pena
-
detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Parágrafo
único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a
exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de
pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza,
em desacordo com as normas legais.
Nota-se
que o preceito secundário aduz a seguinte expressão: “se o fato não constituir
crime mais grave”. Isso significa que o preceito primário, isso é o perigo para
a vida ou a saúde de outrem, só será
caracterizado se não houver outra norma que defina aquele fato como mais
gravoso. Se houve algum tipo de dano que não pôde ser evitado com a punição do
crime explanado no artigo supracitado, não é necessário que se fale no
cometimento do crime de perigo de vida ou saúde de terceiro.
Já
a subsidiariedade tácita acontece quando, mesmo que o artigo não expresse
qualquer tipo de informação sobre o caráter subsidiário da norma, essa somente
terá a necessidade de ser aplicada se o crime não obtiver consequências que
figurem um tipo penal mais grave, afastando assim a necessidade da norma
subsidiária, por exemplo, o Código de Trânsito brasileiro, em seu artigo 311,
explana:
Art.
311 - Trafegar em velocidade incompatível com a segurança
nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de
passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou
concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas
-
detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Qualquer
um que ler essa norma vai compreender que se um sujeito aumentar a velocidade,
de forma que esteja acima do permitido, nas proximidades de lugares que
ofereçam um risco maior às pessoas, por ser mais difícil obter sucesso numa
eventual necessidade de parar o veículo sem atingir alguém, em virtude do maior
tráfego de pessoas, poderá ser sancionado, por perigo de dano, às luzes do
preceito secundário desta norma. Contudo, suponhamos que, ao acelerar seu
veículo de forma deliberada, o agente atinja uma pessoa, vindo a matá-la, este
já não responderá pelo crime disposto no artigo 311 e sim pelo 302, do mesmo
Código de Trânsito Brasileiro, que salienta:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na
direção de veículo automotor:
Penas
-
detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo
único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo
automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:
I -
não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou
na calçada;
III - deixar de prestar socorro, quando
possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;
IV
- no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de
transporte de passageiros.
Assim,
o crime de perigo será afastado pelo crime de dano, consequentemente, a norma
menos grave não poderá ser usada pelo fato de que um tipo mais grave se
caracterizou e a punição na primeira norma não abarcaria as consequências da
conduta do agente em atingir e matar uma pessoa ao exacerbar o limite de
velocidade em local de perigo.
Existem
autores que dizem que não há sentido no princípio da subsidiariedade por não
ser mais que um ponto de vista do princípio da especialidade, uma vez que se
uma norma é especial à outra, a norma genérica não poderá ser aplicada,
tornando assim inutilizável ou desnecessário o conceito e a utilização da
subsidiariedade da norma.
III – Princípio da Consunção
O
princípio da consunção entra em cena quando: um crime é meio necessário para a
execução de outro crime; é normal fase de preparação para a execução de outro
crime; ou em casos de antefato e pós-fato impuníveis.
Antefatos
são aqueles fatos antecedentes à conduta praticada pelo agente, sem os quais
não haveria como conseguir efeito no crime pretendido inicialmente, não
conseguindo então praticá-lo.
Pós-fatos
são os fatos considerados como exaurimento da conduta principal do agente, e
segundo a doutrina ela não deve ser punida.
Veremos
5 exemplos onde o princípio da consunção pode ser aplicado:
Exemplo I – Crime Progressivo
Para
furtar uma TV, um homem precisa adentrar a casa. Para isso ele arromba a porta.
Os crimes de Invasão de Domicílio (CP, art. 150) e de Dano (CP, art. 163) serão
deixados de lado por serem meios necessários para que o agente consiga executar
o crime principal, nesse caso o Furto (CP, art. 155).
Exemplo II – Crime Complexo
Um
exemplo clássico de crime complexo é o latrocínio (CP, 157, §3°), onde os fatos
que integram o tipo resultante – Roubo (CP, art. 157, caput) + Homicídio (CP,
art. 121) – são absorvidos pelo resultado. Assim, desconsiderando-se os atos
separados e fundindo-os em um só, o agente responde apenas por um crime.
Exemplo III – Progressão criminosa
em sentido estrito
O
agente, com intenção de praticar lesão corporal em seu desafeto, começa a lhe
desferir pauladas. Ao perceber que a vítima já está ferida, decide então
completar o serviço, matando-o. Assim o faz.
Nesse
caso o crime de Lesão Corporal (CP, art. 129) é absorvido pelo crime de
Homicídio (CP, art. 121), que é o delito pelo qual o agente responderá.
Exemplo IV – Fato anterior não
punível
Uma
mulher falsifica a assinatura de outra para passar um cheque em uma loja. Essa
só será sancionada pelo crime de Estelionato (CP, art. 171), que absorverá o de
Falsificação (nesse caso, art. 292, CP), haja vista que ela só poderá utilizar
daquele cheque uma única vez.
É
importante salientar que o crime só foi absorvido pelo fato de que não haverá a
possibilidade de ela utilizar o cheque mais de uma vez, se ela falsificasse,
por exemplo, uma procuração pública, onde pudesse utilizar várias vezes,
responderia em concurso de crimes pela falsificação e pelo estelionato.
Exemplo V – Fato posterior não punível
Usaremos
uma espécie de continuação do exemplo I. O agente após furtar a TV vende-a a
terceiro, visando tirar proveito daquele furto. Este não poderá ser punido pela
venda, uma vez que a venda é vista como exaurimento de conduta e esta não é
passiva de punição.
IV – Princípio da alternatividade
Esse
princípio diz respeito àqueles crimes chamados plurinucleares – que têm várias
condutas expressas em vários núcleos em apenas um artigo – também chamados “de
ação múltipla” ou “de conteúdo variado”.
Por
exemplo, a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), em seu artigo 33, explana:
Art.
33. Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena
-
reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Observe que várias condutas são tipificadas
como infratoras.
Supondo
que um agente pratique três delas, não poderá responder pelas três em concurso
material, como se fossem três delitos diferentes. Assim, responderá apenas uma
única vez, sem que, sequer, se fale numa possível hipótese de concurso de
crimes, por um dos núcleos quem compõe o artigo.
Há
quem diga que não se fala em conflito de normas nesse caso, uma vez que não há
mais de uma norma que confronta a outra, e sim uma norma que contém vários
núcleos que podem ser imputados ao agente.
Aqui, aquele esqueminha pra a galera acompanhar mais fácil
(se bem que nesse assunto não é tão necessário, né?)
Fundamental saber essas coisas.
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